segunda-feira, 9 de maio de 2011

Eutonia


EUTONIA E PERCEPÇÃO
 
Gerda Alexander escreveu um único livro e o chamou “Eutonia, Um Caminho Para a Percepção Corporal”.
Nesses meus anos como aluna e professora de Eutonia estive curiosa e atenta às questões como a percepção, o conhecimento do corpo, a imagem corporal. Tenho estudado estes temas e à medida que aumenta a minha compreensão, mais sei da importância deste trabalho ao qual me dedico, a Eutonia.
O texto que segue, escrito de maneira simplificada, pretende mostrar o caminho desde o estímulo nos receptores do Sistema Sensorial Somático até a sua interpretação no córtex cerebral, isto é, o substrato neurofisiológico da percepção, parte do trabalho proposto por Gerda Alexander.
É importante dizer que este é um recorte dentro do estudo da percepção do ponto de vista neurológico. Aqui está posto somente o que interessa para a compreensão da Eutonia.
O conhecimento que temos do mundo se dá através do sistema sensorial. A percepção se inicia nos receptores, cada um deles sensível a um tipo de estímulo. A partir do receptor, vias sensoriais se dirigem à medula espinal, tronco cerebral, tálamo e córtex cerebral. No córtex as informações sensoriais são interpretadas e reinterpretadas. Deste modo o cérebro constrói uma representação interna dos eventos físicos externos e, importante, essas percepções não são cópias precisas e diretas do mundo à nossa volta, visto que, a todo momento as informações sensoriais são editadas.
São cinco modalidades sensoriais principais : a visão, a audição, a gustação, a olfação e o tato ( tato é o modo simplificado de chamar as sensações corporais ou somáticas). Diferentes formas de energia, luminosa, mecânica, térmica, química estimulam receptores específicos e são transformadas pelo sistema nervoso nas diferentes modalidades sensoriais. Recebemos ondas eletromagnéticas de diferentes freqüências e percebemos cores, recebemos ondas de pressão e ouvimos palavras, música.
Para cada uma das modalidades sensoriais, há um sistema sensorial: visual, auditivo, gustativo, olfativo e o sistema sensorial somático.
Para a abordagem proposta, o Sistema Sensorial Somático é o mais importante e tem quatro submodalidades:
  • Tato propriamente dito, que é o sentido da textura dos objetos e do seu movimento sobre a pele. É provocado pela estimulação mecânica da pele onde se encontram os receptores.
  • Propriocepção, o sentido da posição dos membros e tronco no espaço oferecidos pela percepção da angulação das articulações. Os receptores estão nas articulações e nos músculos.
  • Nocicepção: sinaliza lesão tecidual geralmente percebidas como dor. É provocada por estímulos nocivos químicos, mecânicos ou térmicos.
  • Temperatura, que sinaliza calor e frio. Provocada por estímulos frios ou quentes.
No Sistema Sensorial Somático, o contato inicial com o mundo externo ocorre então através de células especializadas, os receptores sensoriais , mecanoreceptores, termoreceptores, nociceptores e quimioreceptores, localizados na pele e outros tecidos do corpo como músculos e articulações. No receptor, a energia do estímulo é transformada em um sinal neural eletroquímico. A partir do receptor, três neurônios ligam a pele e outros tecidos ao córtex cerebral. O primeiro neurônio conduz a informação sensorial do receptor até o tronco cerebral, o segundo cruza a linha média e vai até o tálamo contralateral e o terceiro daí ao córtex cerebral, região do lobo parietal anterior chamada córtex sensorial somático primário ou S 1. Cada via individual é organizada em série, e as várias vias de um sistema são organizadas em paralelo. As quatro submodalidades da sensação somática (tato, propriocepçao, nocicepção e temperatura) são conduzidas por duas vias paralelas. Então, no córtex as informações são combinadas para as percepções. Por exemplo, tato e propriocepção se combinam para que possamos reconhecer a forma e tamanho dos objetos apreendidos (textura + angulação das articulações).
No córtex parietal ou S1, para cada submodalidade do sistema sensorial primário há um mapa. São quatro mapas completos em cada uma das quatro áreas de Brodman que correspondem a S1 (3a, 3b,1 e 2). Mapa para o tato, para a propriocepção, nocicepção e temperatura. No caso do tato, o homúnculo de Penfield que é o mapa sensorial da superfície do corpo.
Todo o processamento desde o estímulo até a sua interpretação no córtex é bastante complexo. Está simplificado aqui porque este texto não se destina ao estudo da neurofisiologia, mas sim ao processo que fundamenta o trabalho de Gerda Alexander.
Baseado em estudos de casos de pacientes com lesão cerebral, ou a partir de estudos em animais ou ainda através de exames de neuroimagem que dão informações sobre a função do córtex, pode se afirmar que tal representação do espaço pessoal no córtex parietal difere sistematicamente entre indivíduos, de uma maneira que reflete o seu uso. A representação portanto é modificável pela experiência. Há uma determinação genética que programa os padrões das conexões entre neurônios, mas que é afetada pela atividade e aprendizado.
Além disso, o Sistema Sensorial Somático projeta para outras áreas, entre elas para o córtex parietal posterior (áreas 5 e 7 de Brodmann), onde as informações são usadas para configurar a imagem corporal e para planejamento de movimentos no espaço extrapessoal. O córtex posterior recebe entrada também do sistema sensorial auditivo e visual, colocando então a representação do corpo no espaço extrapessoal.
Cada vivência de Eutonia faz e refaz o trajeto desde o receptor, através dos neurônios até o córtex parietal. Está portanto orientado à percepção do corpo do modo como a descrevemos acima. Com seu trabalho sobre pele, ossos, articulações vai influenciar a representação do corpo no córtex e mais importante, a imagem corporal.
Parte do trabalho desenvolvido por Gerda se destina a isto, conhecimento do corpo, ampliação da sua percepção e interferência positiva no processo de reconstrução/desconstrução da imagem corporal. Esse é um dos pilares deste trabalho corporal, talvez não o mais importante, mas seguramente aquele que pode ser a base em todas as etapas.
A ampliação da percepção e sua influência sobre a imagem corporal se refletirão na vida daquele que pratica a Eutonia de muitas maneiras. Este texto não tem a intenção de discorrer sobre os benefícios desta prática (isto está posto nos livros e artigos que tratam deste trabalho corporal) e sim de mostrar a relação entre a vivência da Eutonia e Percepção.
 
Livros que julgo importantes para aquele que desja aprofundar-se;
•  Eutonia, um caminho para a percepção corporal, Gerda Alexander, 1976.
•  Eutonia, educação do corpo para o ser, Berta Vishnivetz 1995.
•  Neuroanatomia Funcional, Ângelo Machado, 1998.
•  Fundamentos da Neurociência, Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessel, 1995.

Por Por Maria Renata de Almeida Viana



A Dimensão Educativa da Eutonia
Falar da dimensão educativa da eutonia, é falar sobre qual é a melhor maneira de transmitir este trabalho, ou seja, como se apreende a eutonia através da sua metodologia, como a eutonia acontece na prática. Gabriel, o pensador tem uma frase que sintetiza alguns pilares do trabalho da eutonia – “Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo.”Seja você mesmo, nos remete na busca constante e no fortalecimento da nossa identidade, o que é dificultado num mundo cada vez mais preocupado com a praticidade, na busca de resultados rápidos e visões parciais da realidade.
“Mas não seja sempre o mesmo” é um convite para transformação, o que solicita quebrar padrões, ter flexibilidade, criatividade.
Para Gerda Alexander, criadora da eutonia, o homem é indivisível, o corpo é um conjunto integrado e coerente, é psicossomático. Sabemos que viver essa integração não é fácil, pois nos sentimos fragmentados. Assim, precisamos superar a nossa visão dualista sobre corpo- mente, sujeito-objeto, homem-mundo, o que nos leva a afirmar que a integração psicossomática não é dada , e sim construída. Este é um dos objetivos do trabalho da eutonia.
A eutonia tem uma dimensão educativa, sendo portanto, uma prática formativa; não é um trabalho que treina através de um conjunto de técnicas com condicionamentos ou propostas induzidas.Vejamos alguns aspectos da sua pedagogia, de como este trabalho acontece na prática.
Para trabalhar com eutonia é necessário que o eutonista tenha uma sólida formação, passado pelo curso de formação, vivenciara a eutonia em seu corpo, e com esta postura,orientar, propor, evitando julgamentos e modelos externos a serem seguidos.
A base do aprendizado do aluno se dá através da experiência. O saber ganha significado através do que é vivenciado. O aluno tem a liberdade de pesquisar, criar, de buscar soluções, participando ativamente do seu processo de construir constantemente o seu corpo, responsabilizando-se pelo seu desenvolvimento
A reflexão emerge do que foi vivenciado e não do que deveria ter sido ou do que se pensa a respeito.
Dizemos que é a pedagogia do sujeito ou da subjetividade, porque na eutonia, o aluno é estimulado a entrar em contato profundo consigo através das suas sensações, percepções e observações, construindo a sua identidade no próprio reconhecimento e no reconhecimento do outro. A subjetividade é social, ela se constrói na complementaridade eu-outro.
O trabalho é feito no sentido de desenvolver no aluno a sua concentração, atenção, estado de presença, contato, fazer os movimentos sem esforços desnecessários, com economia de forças.
O importante é o como é feito o movimento, o toque. O trabalho não está focado nas faltas, no erro, mas nas possibilidades de cada um, não havendo ênfase em resultados.
Com o tempo, gradativamente , o aluno aprende a cuidar-se transferindo para o seu cotidiano um repertório da eutonia, tornando-se responsável por si mesmo.
Nada disso tem sentido, se o eutonista não der tempo suficiente para o aluno pesquisar, sentir compreender, incorporar.
Nada disso tem sentido, se

o eutonista atropelar o trabalho com suas expectativas e desejos.
O trabalho é feito com o outro e não apesar deste.
Maria Thereza Bortolo, é eutonista e pedagoga. É coordenadora e docente do curso de Formação Profissional em Eutonia.






O QUE É EUTONIA

Certa vez,quando lhe perguntaram sobre os motivos que a impulsionaram a criar a Eutonia, Gerda Alexander respondeu: " O início da Eutonia encontra-se unido ao meu interesse pelo MOVIMENTO,que remonta a minha infância.Sempre fui obcecada pela idéia de uma EDUCAÇÂO para o movimento que não estivesse baseada na imitação."

"Aos 16 anos,depois de várias crises de febre reumática,contraí uma endocardite.Os médicos proibiram-me de realizar qualquer tipo de movimento;não podia sequer vestir-me sozinha.Tive de aprender a mover-me utilizando um mínimo de energia e a descansar antes de estar fatigada".

"Por meio das observações e estudos que realizei naqueles anos,comprovei que quando se tem uma noção clara do que se quer fazer,o organismo reage de forma reflexa,utilizando exatamente a quantidade certa de energia,com o nível correto de TÔNUS necessário para executar o seu objetivo,desde que os músculos sejam flexíveis e não estejam inibidos pelas tensões habituais, "Eu tentei descobrir como se poderia ampliar a capacidade de expressão de cada indivíduo sem programá-lo.Ao mesmo tempo,eu estava ocupada com minha necessidade pessoal:aprender a sobreviver". escreveu: Essas afirmações colhidas em entrevistas e textos de Gerda Alexander,a criadora da EUTONIA,nos fornecem elementos essenciais desse trabalho.

A EUTONIA se baseia na consideração do fenômeno humano da INDIVIDUALIDADE.As individualidades não se repetem,portanto suas práticas desenvolvedoras se pautam pela extração da CRIATIVIDADE,resposta própria e incomparável de cada indivíduo.

Cada ser humano dispõe de um espaço interno,que no corpo mostra-se integralmente revestido pela PELE,onde encontra recursos suficientes para uma expressão eficiente no mundo,sejam quais forem suas limitações.<BR><BR>À limitação,podemos responder com criatividade,com espírito de aventura e pesquisa,viajantes em nossas próprias terras,investigadores de nós mesmos.

É necessário que nos tornemos conscientes das tensões presentes em nosso corpo e que saibamos eliminá-las para experimentarmos o livre FLUXO entre nossas INTENÇÔES e nossos movimentos.Utopia? Não,FISIOLOGIA CONSCIENTE.

Como fazê-lo? Voltando nossa ATENÇÂO para nós mesmos,dispondo conscientemente de nossa capacidade sensível. "Tudo aquilo que tocamos também nos toca".Sinta em sua própria pele o que você acaba de ler.Essa experiência lhe remete a você,ao que lhe acontece,sem que você se isole,pois simultâneamente você percebe as áreas de contato entre seu corpo e o ambiente externo. Esse é o primeiro convite feito pela EUTONIA:tornar-nos conscientes de algo que está contínuamente,sem interrupção,nos acontecendo:o CONTATO entre o corpo e o meio externo e nossa pele funcionando como superfície mediadora desse contato. "Um exercício nunca é repetido do mesmo modo e as condições são diferentes a cada vez(influência da situação inicial,tempo,frio,calor,radioatividade etc...)

Isto significa que um exercício nunca é,na realIdade,o mesmo".

O que apreendemos de uma afirmação como essa é que,no desenvolvimento da capacidade de estarmos presentes,livramo-nos da aparente mesmice da rotina.Tarefa fácil?Não,possível.Facilitada pelo trabalho de percepção consciente da pele,que nas aulas de EUTONIA é proposto de muitas maneiras:observando-se o toque da pele com o chão,com nossas roupas e com diversos objetos de trabalho,como bambús e castanhas. Fisiologicamente o que acontece ao darmos atenção ao nosso corpo,à sua posição no espaço,aos seus movimentos e ao seu contato com o ambiente externo é o envolvimento de níveis superiores do córtex cerebral no processo perceptivo,o que implica no fornecimento ao nosso sistema nervoso central de informações aprimoradas sobre o que estamos vivendo e essa entrada de melhor qualidade alimenta a possibilidade de movimentos(ações)caracterizados por OBJETIVIDADE e PRECISÂO. Nesse processo de atenção direcionada para sí mesmo,sem isolamento,proposto nas aulas de EUTONIA,muitas vezes focalizaremos OS OSSOS.

"O sistema ósseo,cuja eficiência está contida na beleza de suas formas,tem em sí todas as possibilidades do movimento." A consideração dos ossos,sua percepção consciente,permite a liberação dos músculos-que se encontram relacionados à estrutura óssea-de tensões cristalizadas.A musculatura saudável realiza tanto CONTRAÇÂO quanto DESCONTRAÇÂO com eficiência,ou seja,exibe uma plena capacidade de variação de seu TÔNUS. O TÔNUS é a manifestação da vida no músculo e evidencia a comunicação funcional deste com o tecido nervoso. "O tônus,a capacidade das fibras musculares de modificação de sua elasticidade,participa em todos os tipos de ação.Nós precisamos de um tônus elevado para o esforço e de um tônus médio ou baixo para o repouso e o sono.Na EUTONIA,aprendemos a fazer uso do tônus mais adequado para uma ação determinada.

È interessante observar que basta pensarmos em fazer um movimento;assim que temos a intenção,já se modifica o tônus do corpo e a circulação,antes de executarmos físicamente o movimento". Todos os tecidosorporais se cooperam regidos pela prioridade de preservação da vida.Esse processo se dá,quer lhe emprestemos atenção ou não;apenas se nos tornamos conscientes dele,lhe conferimos otimização. Essa é a proposta da EUTONIA:que o homem disponha de sí para sí próprio e que interaja com seus próximos de maneira mais fluida e eficiente.

Para viabilizar tal proposta,em EUTONIA trabalhamos o corpo. Um corpo a serviço do ser que o habita é um corpo aceito,percebido diretamente,livre de críticas e julgamentos,digno de cuidados,honrado na sensibilidade de seus tecidos,utilizado na força interna de sua estrutura óssea e reflexos posturais, livre na expressão de seus movimentos. Gerda Alexander desenhou um método de trabalho corporal para o ser humano objetivando sua liberação de hábitos e atitudes condicionadas e a abertura de espaço para a criatividade correspondente a indivíduos mais conscientes de sí.

Os professores de EUTONIA exprimentam em sí próprios as propostas de trabalho que criam para seus grupos de alunos. O trabalho tambem é oferecido em sessões individuais onde se emprega amplamente o contato através das mãos do eutonista com áreas do corpo do aluno,de acordo à necessidade deste.

A EUTONIA tem sido aplicada em diversos contextos dedicados ao tratamento e desenvolvimento humano, como atendimentos em Psicologia Clínica, em Fonoaudiologia,preparação de gestantes,preparação de músicos,atores e bailarinos,atendimentos a idosos sedentários,a indivíduos incomodados por níveis elevados de stress,a portadores de lesões relacionadas a atividades laborativas,a indivíduos que apresentam queixas relacionadas à postura corporal.

Os profissionais de EUTONIA tem sempre encontrado boa receptividade entre indivíduos desejosos de ampliar sua percepção consciente de sí mesmos num espaço de trabalho corporal respeitoso e criativo.

Por Tereza Feitosa

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